O desafio de Warburg reconhece-se no modo como constrói uma inédita proposta interpretativa, perseguindo o fio e a meada das relações existentes entre as obras e as fontes literárias e artísticas da Antiguidade , as artes, poética e figurativa, do Renascimento , temas que são objecto de elaboração teórica e, ainda, aspectos da vida coeva às obras, numa importante alusão a Burckhardt, quando narra o episódio de Simonetta Vespucci e Juliano de Médici. À semelhança do que acontece com a Giostra de Poliziano, que simultaneamente celebra o torneio de 1475 e recupera referentes Antigos, também o retrato de Simonetta é idealizado como sendo o de uma ninfa, em parte Antiga em parte Renascentista. Estas distintas relações convergem nas obras de Botticelli configurando-as como campos de materiais heterogéneos e tempos anacrónicos, como objectos particularmente contraditórios. Com efeito, a Warburg não escapa a tensão ínsita na contraposição entre a impassibilidade do rosto de Vénus e, por outro lado, a desordenada agitação dos seus cabelos e da paisagem, nem o deslocamento que ocorre entre um sarcófago Antigo e a pintura, transformação do pathos de uma lamentação fúnebre em pathos erótico. Para Warburg, é através destes movimentos que se manifesta o influxo do paganismo na arte do Renascimento, nos antípodas da «sossegada beleza» de Winckelmann. Às representações apaziguadas da história, Warburg contrapõe uma genealogia de temas, motivos e formas, atenta à sua fundamental abertura e contradições, na linha da investigação filológica e crítica de Nietzsche, leitura que marcou decisivamente a sua juventude.
Language
Portuguese
Pages
128
Format
Paperback
Publisher
KKYM
Release
May 10, 2022
ISBN 13
9789899768420
"O Nascimento de Vénus" e "A Primavera" de Sandro Botticelli (Imago)
O desafio de Warburg reconhece-se no modo como constrói uma inédita proposta interpretativa, perseguindo o fio e a meada das relações existentes entre as obras e as fontes literárias e artísticas da Antiguidade , as artes, poética e figurativa, do Renascimento , temas que são objecto de elaboração teórica e, ainda, aspectos da vida coeva às obras, numa importante alusão a Burckhardt, quando narra o episódio de Simonetta Vespucci e Juliano de Médici. À semelhança do que acontece com a Giostra de Poliziano, que simultaneamente celebra o torneio de 1475 e recupera referentes Antigos, também o retrato de Simonetta é idealizado como sendo o de uma ninfa, em parte Antiga em parte Renascentista. Estas distintas relações convergem nas obras de Botticelli configurando-as como campos de materiais heterogéneos e tempos anacrónicos, como objectos particularmente contraditórios. Com efeito, a Warburg não escapa a tensão ínsita na contraposição entre a impassibilidade do rosto de Vénus e, por outro lado, a desordenada agitação dos seus cabelos e da paisagem, nem o deslocamento que ocorre entre um sarcófago Antigo e a pintura, transformação do pathos de uma lamentação fúnebre em pathos erótico. Para Warburg, é através destes movimentos que se manifesta o influxo do paganismo na arte do Renascimento, nos antípodas da «sossegada beleza» de Winckelmann. Às representações apaziguadas da história, Warburg contrapõe uma genealogia de temas, motivos e formas, atenta à sua fundamental abertura e contradições, na linha da investigação filológica e crítica de Nietzsche, leitura que marcou decisivamente a sua juventude.